quarta-feira, 27 de março de 2013

OPINIÃO




Por vaidade calada fingimos não lembrar do bom que fomos, do bem que fizemos quando publicamente se os refere. Por inconveniência primária, nem sequer politicamente é correcto associar as desgraças presente das ex-colónias em luta para se afirmarem como Estados modernos, aos inumanos crimes cometidos pelos colonialistas. Ou seja, os "descobridores" cometeram a “ heróica” e “distinta” façanha de “dar novos mundos ao mundo”, e é pecado dizer que para conseguirem isso, “subdesenvolveram” os tais “novos mundos”, cometendo para essas conquistas, o extermínio até de civilizações inteiras, que muitas delas, em muitos domínios eram mais avançadas que as suas. Quando sem complacência se referem de forma pretensamente critica, condenatória, atingindo por vezes raias de aberta intenção de humilhar as sociedades subdesenvolvidas por eles;

dá a impressão que (no caso da Guiné-Bissau), após termos posto fim a quase cinco séculos de sistemática tentativa de domínio efectivo e definitivo do nosso país e povo, herdamos do regime colonial um Estado moderno e de direito democrático, que desde então estamos a destruir. Quando se ofendem por em quarenta anos de Estado ainda termos oficiais analfabetos, esquecem-se que os tiveram nas componentes africanas das suas forças, derrotadas pelos nossos guerrilheiros analfabetos. Quando em uníssono com as suas antenas locais, tratam de apregoar que em quarenta anos, apenas conseguimos construir um Estado falhado, narco-Estado e, quando nos dias de hoje, com quase mil anos de existência, se lhes ouvi dizer que há que reformar (refundar) o seu Estado, que virou colónia duma austera tróica, dão-nos a compreender o ridículo que é pretender divorciar-se da historia própria e admitir-se juiz de sua vitima.

Caracterizando de forma genérica as correntes de opinião dominantes no decurso desta transição, constato que se mantém e se agudiza o confronto entre os que preferem não um Estado soberano, mas uma colónia “branqueada” e os que querem a construção de um Estado soberano, moderno e democrático. Dos “branqueadores” até já se ouviu que “no tempo do tuga era melhor”. Mas felizmente, de ninguém desse grupo se ouve dizer que Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel, Aristides Pereira e Alda Espírito Santo ficaram na história como “terroristas”, tal como os seus não distantes predecessores os consideravam. Hoje igualmente, nem lá nem cá, alguém se atreve a considerar “traidores” os Capitães de Abril. Isso consola os patriotas guineenses, angolanos e portugueses, nomeadamente, que não confundem regimes com povos.

A demonstrar que no palco da história também sucedem comédias, é da parte dos “branqueadores” que mais ruído há para que hajam eleições justas, livres e democráticas o mais brevemente possível, no “seu” “narco” e “falhado Estado”. Mas, paradoxalmente, via “Comunidade”, mais têm feito para manter a transição que para a realização de eleições. Se a “Comunidade” não tivesse preferido fazer valer os mal disfarçados projetos expansionistas e neo-colonialistas de uns dois ou três dos seus membros e tivesse compreendido o seu dever e papel para que conseguíssemos sair deste fado da transição antes de Maio próximo, o seu representante não viria encontrar a Guiné-Bissau numa transição prorrogada.

Aconteçam como acontecerem, o certíssimo é que os observadores internacionais vão considerar as próximas eleições, “justas, livres e transparentes”. Outra certeza, é que após as eleições, a comunidade internacional vai observar como sempre o fez, Deputados semianalfabetos e analfabetos a dominarem o parlamento, porque tudo vai acontecer pela mesma, vetusta e caricata lei eleitoral que permitiu esta situação que julgo única no século 21, em que alguém vota uma lei que não consegue ler, ou compreender. Vai assistir, impávida e serena, à nomeação também, de Ministros semianalfabetos e analfabetos, porque compromissos eleitorais obrigam a pagos com cargos públicos. Vai testemunhar, sem pestanejar, à nomeação também ao Conselho de Estado, de semianalfabetos, analfabetos, porque tal função é suficientemente banal para servir para compensar outros tantos deficitários em termos de competência, porque compromissos eleitorais obrigam. Vai observar com indiferença, a recondução das chefias militares. Vai acompanhar mais um realinhamento de forças partidárias na administração pública, porque quem ganha as legislativas deve partidarizar o aparelho, mesmo que para isso tenha que sacrificar provadas competências a favor de incompetentes, porque isso virou costume com valor de norma. Vai saber de solicitações de agréments para novos diplomatas, muitos dos quais nem sequer imaginam o que implica tal função, porque isso é de tal modo banal que pode servir de tacho para um ou outro correlegionário  Vai ter em todos os países em que haja emigrantes guineenses, a continuidade da sua exclusão do processo eleitoral, porque se teme a qualidade do seu voto. Vai aceitar como nada, a não existência de poder local eleito, porque nas nossas regiões é-se sub-cidadão e não cidadão com direito a eleger quem na sua comunidade considera capaz de a dirigir. Vai aplaudir a transição da impunidade a novo mandato e mandantes democraticamente eleitos. Enfim, a comunidade internacional, vai abrir a bolsa para apoiar a tudo e todos, porque foram legitimados por eleições para exercerem democracia, com semianalfabetos e analfabetos à mistura. A comunidade nacional, civil, não vai desfazer a mochila, porque tem por mais que certo que, com a mesma estrutura e gente, nada nem ninguém que elege chega a fim de mandato (gato escaldado..).

O pior de tudo, é que a cada dia que passa nos aproximamos mais da exploração dos nossos recursos.

Se fizermos atenção, mesmo que superficialmente, à prestação de todos os partidos políticos nesta transição, até aqui, constataremos que nenhum cede um milímetro a favor de reais interesses do país. Por exemplo, nenhum, mas nenhum deles vai levantar um dedo para que se reveja a Lei Eleitoral, se realize algumas mudanças e se defina novos critérios de elegibilidade, que vedem o acesso à mediocridade aos órgãos de soberania. Isso se compreende sem esforço. É que, nada importa que se eleja semianalfabetos e analfabetos para que as eleições sejam consideradas “livres, justas e transparentes”, por um lado. Por outro, os golpes, em boa verdade, nunca prejudicaram de modo significativo os interesses dos partidos, em termos de controlo do poder e delapidação dos nossos magros rendimentos. Sempre foram coniventes ou cúmplices. Após os golpes, sempre foram chamados a restabelecer o poder. Assim sendo, para quê mudar?

Mas, lá diz o ditado português: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”.

Ernesto Dabo, in GAZNOT

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