quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A GUINÉ QUE TEMOS...


Narcotráfico: «Passa-se tudo em Bissau e nós sabemos», diz ex-ministra


Carmelita Pires, que já foi ameaçada de morte, diz que a «máfia» do tráfico de droga acede a «determinadas pessoas» do aparelho de Estado



A infiltração do narcotráfico no aparelho de Estado da Guiné-Bissau é acompanhada por «sérias suspeitas», afirma a ex-ministra da Justiça Carmelita Pires, em entrevista à agência Lusa, nesta quarta-feira.
Quando quer aceder ao território de um país, ainda que para fins de armazenamento ou trânsito, a «máfia» do tráfico de droga atua através do «acesso a determinadas pessoas, que lhe permitam o direito de passagem», observa a especialista, que foi, durante três anos, conselheira especial do presidente da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) para o combate à droga e ao crime organizado.
«Não estou a ver os soldados rasos a concederem esse direito de passagem», confessa, realçando que, na Guiné-Bissau e noutros Estados igualmente frágeis, o narcotráfico «infiltra-se ao mais alto nível».
«Passa-se tudo em Bissau e nós sabemos», realça a advogada de formação.
Recordando que, enquanto ministra, defendeu a investigação, a acusação e o julgamento desses casos - na sequência do que chegou a receber ameaças de morte -, Carmelita Pires reconhece que, a esse nível, «as coisas não têm corrido bem».
«Um dos nossos principais problemas tem a ver com a questão da impunidade e aí não posso dizer que tenhamos tido resultados», vinca.
Simultaneamente, admite, o sucesso do combate internacional ao narcotráfico na Guiné-Bissau e na região da África Ocidental tem sido impedido por «condicionalismos, sobretudo de cariz financeiro».
O plano de combate da CEDEAO «é extremamente ambicioso» e pressupõe ações concretas, entre as quais Carmelita Pires destaca a partilha de informação e operações conjuntas entre as polícias da região. «Este trabalho já começou, mas ainda não está totalmente em prática. Fizeram-se só duas ou três operações», diz.
A criação de um tribunal específico, que contorne as «debilidades» dos sistemas judiciais da região, e a harmonização da legislação são outras medidas constantes no plano, acrescenta.

Comunidade internacional não pode abdicar de apoiar o país
A crise na Guiné-Bissau deve ser resolvida internamente, mas a comunidade internacional não pode abdicar de apoiar a realização de eleições e uma futura reforma das forças armadas, defende a ex-ministra da Justiça guineense.
Numa altura em que ainda é incerto um financiamento internacional às eleições na Guiné-Bissau, em período de transição desde o golpe de Estado de 12 de abril de 2012, Carmelita Pires frisa que a comunidade internacional «tem de saber» que «a Guiné-Bissau não pode, neste momento, fazer nada que não seja com um apoio muito sério».
O acordo de transição na Guiné-Bissau, assinado em maio de 2012, previa a realização de eleições no prazo máximo de um ano e Carmelita Pereira não admite sequer a possibilidade de a comunidade internacional ignorar os apelos financeiros para a sua realização.
A cada crise, aumentam as «fraturas» no país, avisa. «Estamos quase que persistentemente a aguardar algo», diz, considerando o último golpe «previsível» e reconhecendo que aos guineenses compete «entrar em diálogo e chegar a um consenso», o que «não é fácil».
Para Carmelita Pires, a Guiné-Bissau deve ter três objetivos fundamentais para o futuro: acabar com a impunidade, reformar a classe política e reorganizar as forças armadas.
Mas nada disto «deve ser feito durante o período de transição», só com «um Governo legítimo», após a realização de eleições. E nada disto poderá ser feito se a comunidade internacional abdicar de «projetar o período pós-transição».


TVI24

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